O depoimento policial pode sempre ser usado como fundamento para condenações criminais?

O depoimento policial pode sempre ser usado como fundamento para condenações criminais?


Em que medida deve-se aplicar o princípio do in dubio pro reo diante da palavra da polícia militar?


Conforme a jurisprudência de nossos tribunais é possível afirmar que a prova mais usada para embasar condenações criminais é a prova testemunhal. Em primeiro lugar pelo fato de ser o meio de prova mais fácil de ser exercida em juízo, e em segundo lugar pelo fato de que muitas vezes apenas os envolvidos no fato testemunharam a sua ocorrência.
No que diz respeito ao delito previsto no artigo 28 da lei 11.343/06, que tipifica a conduta de: “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, a prova testemunhal é em regra a única forma de comprovar os fatos imputados ao réu.
Nesses casos por se tratar de substância de pouca monta a jurisprudência é no sentido de que “a palavra dos policiais é suficiente para fundamentar a condenação, visto que são agentes públicos, salvo prova em sentido contrário”.
A discussão que se pretende aqui é:
Na hipótese de um sujeito ser abordado por dois policiais militares e posteriormente em sede processual apenas um narrar o fato em juízo qual deve ser a solução? In dubio pro reo e consequentemente absolvição nos moldes do artigo 386 inciso VII do Código de Processo Penal ou condenação com base na palavra de apenas um policial militar?
A Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu que havendo negativa quanto a existência do fato por parte do réu, aliada a versão conflitante dos policiais militares envolvidos na situação – onde um narrou que o réu estava com a substância entorpecente e o outro não se recordava do fato, deve-se aplicar o princípio do in dubio pro reo, ou seja, deve-se absolver o réu por falta de provas, uma vez que duas versões diferentes exaradas por dois policiais militares colocam em dúvida a existência da acusação realizada pelo Ministério Público. Conforme consta do acórdão:
A autoria, no entanto, não aparece comprovada. Nesse sentido, o policial militar Jadilson Ferraz Ferreira não recordou do fato (CD, fl. 35). O policial militar Rodrigo Garcia Rosa recordou do fato após a leitura da denúncia. Relatou que a droga estava nas vestes do acusado. Referiu que não conhecia o réu de outras abordagens e que ele afirmou que a substância entorpecente era para consumo pessoal (CD, fl. 29). O réu, por sua vez, negou que portava a substância entorpecente, que foi um engano. Relatou que já teve uma condenação. Referiu que nunca usou cocaína, somente usou pedra (CD, fl. 35). Nessas circunstâncias, não há qualquer certeza a respeito da autoria. O réu negou a posse, dizendo que tudo não passou de um engano Nessas circunstâncias, a prova não autoriza a manutenção da sentença proferida, considerando que não há certeza a respeito da autoria do delito, observadas as informações colhidas, devendo aplicar-se, na dúvida, o princípio in dubio pro reo. Nesse sentido, não é permitida a condenação do réu, quando vige em nosso sistema o princípio que determina a necessária certeza da imputação, resultado de prova colhida mediante contraditório judicial. Carrara já dizia, a tal respeito, que ?para haver condenação, em matéria penal, a prova deve ser certa como a lógica e exata como a matemática?, ou seja, a prova deve ser estreme de dúvida, pois, ao contrário disso, não se autoriza a condenação, em obediência aos ditames do princípio do in dúbio pro reo. Com tais considerações, voto por dar provimento ao recurso e absolver o réu com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.
Por fim importante destacar que a referida decisão é um importante precedente no que diz respeito ao uso das provas testemunhais em juízo, em especial o testemunho policial que em regra resulta em milhares de condenações pelo País.
Fontes:
Superior Tribunal de Justiça.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Processo n° 71009217399 (Nº CNJ: 0003922-58.2020.8.21.9000).

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